Artigo de Opinião
Dra. Daniela Santos | Consultora da Pharmabsc
Em tempos de Pandemia os Sistemas de Saúde têm enfrentado mudanças rápidas e drásticas, necessárias à triagem, deteção e tratamento dos infetados. À medida que, os seus trabalhadores lidaram com a falta de equipamentos de proteção, com os receios de ficarem infetados, com as ânsias e medos dos próprios doentes e familiares e, não menos importante, com a segurança da sua família, surgem os primeiros sintomas de exaustão e descontentamento. Toda a situação de incerteza afeta qualquer ser humano que, apesar do seu compromisso ético, estes profissionais de saúde não deixam de o serem. Esta incerteza, causada muitas vezes pela desorientação e descoordenação dos governos e entidades responsáveis, a falta (ou não) de recursos humanos e a ineficiente comunicação entre entidades centrais e locais (como os centros hospitalares, unidades de saúde familiar, farmácias entre outros) levam, sem dúvida, à tomada de decisões dispares (Iserson, 2020).
Voltamos à “Quarta Vaga” , ou não. Responsáveis das equipas (hospitais, USF, entre outros) voltam a acusar o cansaço das equipas. A preocupação mantêm-se e a resolução continua na tela das propostas, planos e planeamentos.
Um estudo sobre o burnout dos trabalhadores em saúde dos italianos demonstrou níveis de ansiedade e exaustão física muito acima daquilo que já tinha sido avaliado antes da pandemia. Consequentemente, esta situação leva à diminuição dos níveis de qualidade e assertividade no cuidados de saúde dos doentes (Barello et al., 2020). Poderemos pensar nas principais consequências desta diminuição de qualidade, mas teremos a coragem de medir a consequência dos mesmos, não só nos utentes, como nos próprios profissionais que sabem que falharam?
Tendo em conta os princípios do utilitarismo referente ao capital humano em saúde seria útil o referendo sobre o número efetivo de profissionais que estão no ativo ou não e que podem contribuir para a reorganização dos serviços de saúde aquando destas situações emergentes (Observatório Português dos Sistemas de Saúde). Compreender quais são verdadeiramente as necessidades. Com o Plano de Recuperação e Resiliência para Portugal e, principalmente nos cuidados de saúde, a planificação e gestão dos recursos humanos vai ser fundamental para não tornar projetos, meios de diagnósticos, serviços, entre outros, obsoletos pela indisponibilidade de profissionais.
Outro ponto que realço é a continua ausência da participação das farmácias nos planos, planificações, projetos. Como já foi discutido e evidenciado as farmácias comunitárias tiveram e tem um papel importante aquando da ocorrência de situações epidémicas ou pandémicas na população. No caso da Pandemia atual e, com a diminuição do acesso dos doentes aos serviços de saúde, tanto cuidados primários como hospitalares, estas foram um apoio essencial na resolução de diversos problemas como o acesso ao medicamento e gestão terapêutica, e esclarecimentos de dúvidas sobre a prevenção do contágio. Sendo instituições de carácter privado, a sua gestão de recursos humanos, apesar de ter sido adaptada (e.g. equipas em espelho), conseguiram alocar os meios necessários para não colocarem em causa o seu serviço à população (Santos & Santos, 2020). Nos próximos meses, em cooperação com todas as instituições sejam públicas ou privadas, as farmácias comunitárias serão uma mais-valia para reorganizar os serviços, libertando recursos humanos para as situações emergentes não só referentes à COVID-19, mas concomitantemente, para outras situações patológicas que requerem uma avaliação mais próxima num período mais curto. E, mais uma vez, os planos estratégicos esquecem esta fonte de recursos tão preciosa.
Relativamente às farmácias hospitalares e segundo Farinha e Rijo (2020), os recursos humanos foram um dos grandes desafios. Nomeadamente, no apoio eficiente e no aumento das atividades clínicas (e.g. implementação e controlo de processos de qualidade eficientes, seguros visando a otimização do tempo despendido por todos os intervenientes) transpareceu a necessidade de alocação de profissionais nestas unidades de saúde, não só em maior número com maior formação especialista ou/e pós-graduada em áreas essenciais para a resposta a situações emergentes como a da Pandemia atual (Farinha & Rijo, 2020). Sem dúvida, que a proximidade dos farmacêuticos à sua atuação como especialistas do medicamento (farmácia clínica, farmacovigilância, entre outros) juntamente com os outros profissionais, trará um maior valor tanto para a instituição como para a pessoa que beneficia dessa colaboração.
Tal como já foi referido inúmeras vezes, a integração de todos os cuidados que estão disponíveis ao beneficiário, numa Era digital, em constante mudança, terá de passar para além das telas das apresentações.
Os próximos anos vão ser fulcrais, uma oportunidade, para o nosso Sistema de Saúde poder resolver as suas falhas (ou minimizar). E só se conseguirá atingir este feito quando se sentarem na mesma mesa representantes de todas as instituições, intervenientes, formando uma rede de saúde com um único propósito, criar valor para o cliente/utente/doente.
Referências
Barello, S., Palamenghi, L., & Graffigna, G. (2020). Burnout and somatic symptoms among frontline healthcare professionals at the peak of the Italian COVID-19 pandemic. Psychiatry Research, 290, 113129. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.113129
Farinha, H., & Rijo, J. (2020). Os Farmacêuticos Hospitalares Durante a Pandemia COVID-19. Revista Portuguesa de Farmacoterapia, 12(1–2), 9–19. https://doi.org/10.25756/rpf.v12i1-2.236
Iserson, K. V. (2020). Healthcare Ethics During a Pandemic. Western Journal of Emergency Medicine, 21(3), 477–483. https://doi.org/10.5811/westjem.2020.4.47549
Santos, D., & Santos, J. N. (2020). As Farmácias Comunitárias na Pandemia COVID-19: Alianças Estratégicas em Contexto de Incerteza. Revista Portuguesa de Farmacoterapia, 12(1–2), 53–55. https://doi.org/10.25756/rpf.v12i1-2.241